sábado, 15 de novembro de 2014

VÓ ROZÁRIA (CRÔNICA)

Vó Rozária  (CRÔNICA)
   Homenagem à Rozária Rosa dos Santos no ENCONTRO DA GRANDE FAMÍLIA SANTOS
 
 
Rozária Rosa dos Santos, Rozária com "z" como dizia ela, a dona Rozária, a "Sá" Ruzara, a mãe, a madrinha, a "madinha", a "dinda", a avó. A mulher guerreira, corajosa, forte, perseverante e de atitude.
Buscá-la na memória do tempo é buscá-la na viagem do amor e da convivência, do exemplo a ser seguido; é buscá-la dentro de si, dentro do coração.
Nasceu no dia 11 de março de 1902, no Areião, Município de Boa Nova, Bahia e faleceu em 21 de novembro de 1986, em Correia de Freitas, Apucarana, Paraná, aos 84 anos.

Infância difícil, outros tempos, outras eras... quando criança não era permitido pedir nada aos pais quando a família saía de casa para passear, nem água, pois isso já seria motivo suficiente para regressar - contava.
Na adolescência casou-se com Antônio José dos Santos, primo de seu pai, homem bem mais velho, que por ela encantou-se quando a viu de longe pregando papel bonito na parede de sua casa, e, logo a pediu em casamento ao seu pai, que aceitou, sendo que dali três meses casaram-se. Ela, então com 16 anos foi viver nova vida e formar sua família.

Vieram, pois, os 15 filhos: Maria Roberta, José, Ana, Rosa, Candinho, Joaquim, Maurício, João, Eliziário, Delza, Adélia, Rita, Helena, Lia e Maria que nascera e logo morrera.
Vida de muito trabalho, muita luta, muita alegria pelos filhos que cresceram, muita renda nos bilros, muitas toalhas e tapetes feitos no tear de sua casa.
O tempo passou e aos 50 anos ficara viúva, dependendo então  dos filhos mais velhos para ajudar a criar as filhas mais novas. E, aí, Joaquim assumiu tal função. Dado às circunstâncias, vieram embora para Apucarana, no Paraná. Enfrentou novos desafios, preconceitos, outros costumes, reaprendeu a viver, no entanto, com a mesma coragem, perseverança e esperança. Momento esse de partida que em 1960 dividira seu coração para sempre pois não mais voltaria a ver os cinco filhos que lá ficaram.

A vida seguiu seu rumo e em uma parta desta história, para amenizar a saudade, elegeu esta neta como sua escrevedora de cartas para seus familiares " do outro lado do Rio de Contas" e do " Curral do Meio", na Bahia, assim falava a dona Rozária, que fazia questão de que as cartas assim se iniciassem: " Saudações. Espero que esta carta encontre todos gozando de saúde e felicidade, por aqui tudo está bem com os meus , Graças a Deus", que depois de concluída teria que ser lida para que ela a ouvisse e aprovasse para ter certeza de que não faltava nenhuma notícia, inclusive as lembranças para fulano, "cicrano", compadre, comadre, afilhados, filho de um, filho de outro  e tantos parentes e conhecidos que lá moravam. Era um verdadeiro ritual de cumplicidade entre neta e avó. Só depois de lida e aprovada, ela assinava seu nome e sentia muito orgulho por saber escrevê-lo com letras desenhadas, mesmo sem saber ler nem escrever.

Deixando a saudade de lado, passemos um pouco para as lembranças gostosas de muitos que tiveram o privilégio de presenciar inesquecíveis momentos. Quem não se lembra de vê-la falando o abecedário: bê, cê, dê, fê, guê, jê, lê, mê, nê, pê, quê, rê, sê, tê, vê, xis, ipysole, zê ? E da brincadeira que ela ensinou "Boca do forno! Forno!" E do pacotinho de pipoca cor de rosa? E da Sexta-feira Santa, quando os filhos e os netos pediam -lhe a bênção de joelhos? E ai se alguém fizesse barulho ou atividade naquela Sexta-feira Maior!

Quem não se lembra dos pedaços de bolo ou do manjar de groselha com Maizena que ela vendia aos sábados à tarde em sua casa? Que  enquanto as pessoas compravam, sentavam-se no banquinho azul da cozinha, permaneciam ali proseando porque sabiam que logo a seguir teria um cafezinho gostoso passado no coador de pano?!

Uma lembrança puxa outra... Impossível esquecer dos deliciosos bolinhos de polvilho de araruta que os netos a ajudavam fazer e amassar com garfo, e depois, colocar no forno de barro no quintal, só para comer escondidinho ainda cru!! E ela, fingia que não via, confiava e ainda pedia-lhes que cuidassem da lata que tampava a boca do forno!Nada falava mesmo sabendo que faltaria algum, mais tarde, naquela assadeira.

" Ah! Vó Rozária! Se a senhora soubesse como era maravilhoso conviver e aprender com a senhora! Como era lindo seu cabelo branco cinza enrolado em coque caprichosamente. Como era lindo seu olhar sereno, miúdo, profundo, muitas vezes distante, já meio acinzentado pelo passar dos anos!  Como era bonito vê-la com suas roupas tão bem feitas, seus vestidos muitas vezes feitos pelas  próprias mãos, até mesmo a sua mortalha azul que preparara previamente para o dia que fosse ao céu... e assim aconteceu. É lindo lembrar das suas coisas, da sua colcha branca sobre sua cama, do seu rosário pendurado, das figuras das folhinhas de crianças e flores pregadas na parede da sala, do seu paneleiro brilhando, todo " ariado", como falava a senhora, do seu fogão de lenha com a chapa branquinha que a senhora passava cinza úmida, do seu quintal varrido, tudo feito com muito capricho porque " de hora momento" poderia chegar algum filho de Apucarana, de Jardim Alegre, de Arapuã ,de Dourados ou da Bahia! "

E por falar em quintal, ela gostava de flores, muitas flores e em meio a essas flores é que gostava de tirar retratos, principalmente próxima à roseira de cachos com pequenas rosas cor de rosa e rosas brancas. Não poderia deixar de dizer do pé de hortênsia azul próximo ao portão e do chapéu-de-capitão que lhe trazia lembranças da Bahia. Imagens registradas no papel e no pensamento. Em meio a tantas plantas havia as que sempre estavam ali prontas para serem colhidas pela vizinhança para fazer um chazinho, não faltando desta maneira, visitas todos os dias: " Só pode ser sarampo, leva flor de sabugueiro" _ dizia, "É lombriga, leva hortelã." Mas quando o problema era choradeira de criança, a dona Rozária as benzia contra quebranto com três galhos de arruda, fazendo o sinal da cruz várias vezes, rezava cochichando e ninguém sabia o que ela balbuciava naquele momento tão sério, a não ser no final da oração quando dia em voz alta: " Deus te ponha virtude!" E assim, Deus ouviu suas preces, uma vez que seus netos e netas e tantas outras crianças que passaram por suas mãos tornaram-se pessoas do bem.

Mulher decidida, a "Sá " Ruzara, quando cismava de viajar ninguém a segurava em casa e quando se via, já estava pegando o ônibus para ver as filhas Rita e Lia em outras cidades. Tão decidida que certa vez, ao ficar internada no hospital por alguns dias, após sentir-se melhor juntou suas coisas, pegou sua bolsa  e foi para a rodoviária. Quando as enfermeiras perceberam sua ausência, ela já estava descendo do ônibus, chegando em casa em Correia de Freitas.

Sempre séria, raramente brava, a não ser quando seus netos Lafayete e Gildásio se esconderam em seu jardim quebrando galhos de suas plantas, ou quando os netos Ivanir e Laércio  acertaram-lhe acidentalmente o rosto com uma laranja enquanto brincavam, ou também quando alguns netos descobriram escondido embaixo de sua cama um litro de Ferruquina e Jurubeba, que dizia ser para tomar um golinho  a fim de tirar a dor da "boca do estômago" antes de dormir.

E assim, entre fatos e memórias, cada um que conheceu ou conviveu com a Vó Rozária Rosa dos Santos tem na sua bagagem a marca da determinação e do amor e muito, muito orgulho por ter histórias dessa grande mulher  para lembrar e para contar.

"Bênça Vó"

por Ivete Luz - 15/11/2014 

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