quinta-feira, 24 de outubro de 2013

CLIMATÉRIO (crônica)

                                                         
                                                       Climatério   ( à amiga Viviane Ardigo )
                                       

                  

             Verdade, juro que é verdade. Na quinta-feira à noite fui ao centro da minha cidade, mais especificamente na praça, como todos sabem...  é na praça que acontecem os eventos nas cidades do interior, e , como é de costume, às quintas-feiras as pessoas lá comparecem para comprar sua tapioca, seu bolo de mandioca e outros quitutes saborosos na famosa feira da lua, além de encontrar os amigos.

            Estava eu andando com meu filho quando ouvimos alguém nos chamar, olhamos e vimos nossa amiga Bibiana e seus dois filhos, Issa de dezoito anos e Mat de doze anos, sentados à mesa próxima a uma barraca. Convidaram-nos para sentar e aceitamos. Boa noite pra lá, boa noite pra cá, como vai tudo bem, histórias daqui e dali até que a dona Bibiana me contou o seguinte:

            _Dona Bete, a senhora não imagina o que aconteceu comigo?
            _Nossa! O quê?
            _Tenho passado muito mal de saúde há um bom tempo.
            _Sim, amiga , o que foi?
            _Sabe aqueles calores que eu sentia? Resolvi procurar um endocrinologista e ele disse que eu  deveria fazer reposição hormonal, pois já estava no climatério e quase na menopausa.
             _Credo! Já? Tão jovem ainda!_ comentei admirada.
             _Pois é. Só que os remédios começaram a me fazer muito mal e eu sentia muita dor na barriga, sentia o estômago ruim e com muita dor e ficava mole mole toda tarde.
             _E aí, Bibiana, o que você fez?
            _O doutor disse que era normal o remédio dar muitas reações mas de tanto eu reclamar, ele me encaminhou para um nutricionista e um gastro, pois meu estômago e meu fígado poderiam estar com problemas, já que eu estava emagrecendo muito.
             _Mulher do céu! Quanta coisa, não?!
             _É, dona Bete, mas não parou por aí, não. Eu comecei a sentir muita dor nas costas também.
             _ Vixiiii! Você se benzeu? Só assim pra melhorar, não é mesmo?
              _Que nada! O gastro queria que eu fizesse endoscopia mas antes pediu para eu fazer ultrassonografia do fígado e vesícula, ele disse poderia ter alguma pedrinha causando tudo aquilo. Então, ele  me encaminhou para outra clínica para fazer o exame. E o tempo passando e eu muito mal...  eu já estava cansada de tanto médico na minha frente.
               _Entendo _ concordei. Mas tinha pedra no fígado? Na vesícula?
               _Que nada! Procuraram até pedra no rim e nada.
               _Que horror! Então o caso é grave, Bibiane?
               _Pois é, dona Bete, no final do exame veio o susto: o doutor disse  que a pedrinha que ele encontrou tem bracinho, perninha, terá nome e sobrenome e é uma menina. Estou grávida de quase quatro meses...Bem que ontem à noite eu senti uma tremidinha na barriga... achei que fossem gazes...
                _Hummmm!!!!????? Climatério... climatério...


domingo, 20 de outubro de 2013

ORAÇÃO AZUL

Oração Azul

Infinito universo,  absorva a pura prece
Do meu doce verso neste dia que amanhece,
Procuro por sua bênção no azul deste céu
Com branco lenço a cobrir-me feito véu

Agradeço pelo meu coração matéria e sentimento
Que bate nesta oração ao azul  firmamento,
Obrigada pela vida que em mim  pulsa forte,
Por  minha chegada ou partida, às vezes sem norte

Quero sentir-me mais espírito e menos humana
No que está escrito com o amor  que emana,
Sem  pobreza de carcaça envolta em panos
De anjo que me  abraça ou de pequeno ser mundano

Tiro aqui as sandálias apertadas dos meus pés
Sem acertos ou falhas, apenas com fé,
Peço para novamente  eu estar no útero do universo
Que a luz eu possa enxergar,  ser sempre feliz, eu confesso

Quero ser só a essência da vida agora
Com minha simples existência  poder ir embora,
Quero  caminhar com  leveza de silenciosa alma
Que encontra a beleza da  paz no azul que acalma




sábado, 12 de outubro de 2013

QUADROS PENDURADOS

Quadros Pendurados


Quadros pintados

Parados na parede
Penduram passagens

Dos tempos passados

Pesam por toda parte

Pedem por momentos
Que lhes foram tirados


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

CARNAVAL NA PRAIA (crônica)

Carnaval na praia

                  No início de 2013 a família do meu ex-marido decidiu que iria passar o feriado de carnaval  em uma praia do Paraná. Tudo estava bem organizado e programado. No entanto, um imprevisto aconteceu e dias antes tive isquemia, um tipo meio bobo de AVC que apenas paralisa um lado do corpo por alguns minutos sem rompimento de veia no cérebro, só que o tratamento é o mesmo do danado AVC  e tive que ficar internada. Para a família foi um desespero só, até hoje não sei se foi por minha saúde ou pela viagem que  talvez seria cancelada.  Os dias se passaram e o susto também.

              Na madrugadinha de sábado  a família seguiu viagem: sogro, sogra, cunhadas, cunhados, sobrinhos, sobrinhas, namorado de sobrinha e duas crianças. Eu e meu ex fizemos a loucura de comemorar a saída do hospital viajando também, porém, no final da tarde de sábado..

              A família ficaria hospedada em uma pousada de um conhecido meu por um precinho razoável. Chegando lá os parentes tiraram todas as bagagens dos carros, equipamentos de praia e coisa e tal, felizes da vida.  Ao entrar nos quartos da pousada depararam com os colchões embolorados, mofados e mal cheirosos dado à semana inteira  de chuva, inclusive o piso ainda estava molhado pois o vidro de uma janela estava quebrado e foi fácil fácil para a chuva entrar. Em seguida, deu-se início às reclamações, e é evidente que meu querido nome ficou em destaque.  Todos ficaram no mesmo quarto que mais parecia quarto de exército: beliches pra todo lado, uma vez que a pousada também hospedava excursão de alunos. A cozinha então, nem se fala, sem privacidade e conforto para a cozinheira da família e aí a continuidade de  mais reclamações. E meu nomezinho... . Resolveram então procurar outro lugar para ficar. Andaram na chuva e à noitinha encontraram uma pequena casa a contento de todos, nos fundos de outra residência onde morava a dona da casa. E mudança e  pega bolsa daqui, pega mala dali e aí bagunça total. Conta acertada, devolução de dinheiro. Outra casa. Família feliz. Crianças felizes. Para lá foram todos...

               Quando meu marido e eu chegamos à noite todos estavam acomodados. Se a casa já era minúscula para os que lá estavam, imagine como ficou após nossa chegada. Novas adequações. Acertos com colchões no chão, cada casal em seu canto, cozinha virou quarto, arrumações, barraca no quintal, chuva, frio e nada de calor na sonhada praia... Hora de dormir mas antes, hora do banho e hora do susto, a água do banheiro não descia pelo ralo, e vaso sanitário somente para a necessidade líquida... tudo virou um faz de conta. Noite mal dormida.

                 No dia seguinte, aconteceu o inesperado: a água do piso do banheiro havia aumentado o seu volume e molhado alguns colchões, havia chegado no quarto e o mal cheiro ficou insuportável. Então a coisa complicou: água de esgoto voltando e a gente nauseando. A proprietária  da casa foi chamada e nada de resolver a situação... e esgoto voltando.. e a gente nauseando... manhã... tarde e situação insustentável e insolúvel. Discussão com a dona da casa, a família querendo sair e a dona da casa não querendo devolver o dinheiro que já havia sido pago.

                Chegou o final da tarde de domingo  e... novamente outra procura por casa na praia e chuvinha e cara feia pra todo lado. Debates, conversas, acordos: uma casa próximo dali foi alugada para nós. Novamente... a mudança, agora  feita a pé, bolsas, malas e colchonetes carregados nas costas e barracas, cadeiras, guarda-sóis  e mantimentos carregados nos braços e na cabeça pela rua a fora... fila indiana, imitação de formiguinhas carregando suas coisas. Para a nova casa.

                 O tempo passou, chuvisco chegou e o grande domingo sem sol, sem praia. A noite trouxe a maresia e ao longe o barulho da maré alta . O banho de mar ficara para o dia seguinte.

               A segunda-feira amanhecera linda. Manhã de sol, toda a família feliz, banho de mar, pés na areia, pulinhos nas ondas e  alegria total. O dia foi longo mas passou rápido também. A terça-feira de carnaval chegou e chegou também a hora de arrumar a bagagem novamente para  subir a serra. Uma viagem de quase quatrocentos quilômetros de volta para casa foi feita com um gostinho não muito bom de curtir carnaval na praia.





AI, SENHOR! (crônica)


Ai, Senhor!


           Quando dona Santana chegou em nossa casa, eu não estava. Foi num momento um tanto dolorido, pode-se assim dizer, pois eu estava no hospital passando por uma cirurgia na coluna lombar e quando saí de lá eu já a encontrei bem inteirada com o serviço em minha casa.

          Era a diarista que viera me auxiliar durante  uns tempos, por  indicação de uma prima, e eu só fui conhecê-la depois do bonde andando, na minha convalescência. E que convalescência! Dor, muita dor. Como diria meu finado pai : “Já era previsto”.  As coisas iam seguindo seu ritmo: eu sem andar e dona Santana lá, trabalhando. Uma senhora de uns sessenta  anos, meio cheiinha, alta, branca, de cabelos longos pintados de preto e sempre enrolados  feito coque, dentes meio pontudinhos para frente fazendo biquinho ao falar,  pessoa de confiança como se diz na linguagem das patroas, no caso eu, compulsoriamente por força da situação. Seu jeito de andar chamava sempre a atenção e não me lembro de um dia sequer não tê-la visto andando com as mão nas costas. Aí me preocupei. Eu daquele jeito e ela também com semelhante problema, pensei, pensei, fiquei com aquilo na  minha cabeça: “E agora?”, até que perguntei se ela sofria de alguma doença na região  lombar e dona Santana, sempre puxando o “r” do falar costumeiro do interior, respondeu que não, que era costume mesmo.

         Tudo ia bem, pelo menos eu achava. Os dias foram passando e cada vez que ela chegava no portão já implicava com o latido da cachorra e a recíproca era verdadeira. Como eu ia dizendo, ela era engraçada, a mesma cena todos os dias, com as mãos nas costas e implicando com a cachorra  a tal ponto que meu dog, como é próprio da raça, usou de seu instinto de defesa e caça: atacou-a por trás mordendo seu calcanhar, a briga era até bonita de se ver  não fosse meu estado. Eu fui ficando numa situação difícil pois tinha que sair da cama com dor para separar a briga de dona Santana com uma poodle toy, já idosa também.

          Lá ia dona Santana: limpava a casa e reclamava da vida toda vez que via alguém se aproximando,  repetindo sempre “Ai, Senhor”. Interessante foi quando ela invocou que tinha que rezar por mim, para curar a minha dor e me recuperar logo,  sair daquele estado, enfim. Só me recordo que foi água benta pra cá, água benta pra lá... e eu tomei tudo, confesso, tudinho, senão ela ficava muito brava.  Acamada eu continuava. 

         Num outro dia ela cismou com meu filho rapaz.  Dizia-lhe  que tinha que “estar com o Senhor”, e falou “Ai, Senhor, você tem que rezar, vou marcar para você ir no retiro de oração, vai ser bom, tem que se abençoar, é só três dias rezando “, como era de se esperar, no dia seguinte trouxe a ficha de inscrição, montou guarda, não deu trégua, e ele foi... “Ai, Senhor”.
       Começamos a perceber que ela não tomava o café da manhã quando chegava para trabalhar, perguntamos o porquê e ela disse que tinha o seu,  não acreditamos mas para nossa surpresa dona Santana carregava uma micro garrafa de café e tomava o seu  às escondidas várias vezes por dia, até hoje não consegui entender  o porquê daquela atitude, mas ...“Ai, Senhor”.  

      Esta senhora trabalhava em várias casas, segundo dona Santana porque se  ficasse em uma só casa se cansria  de ver  as mesmas pessoas todos os dias e também porque  precisava de mais dinheiro, mesmo sendo aposentada e o marido idem, porém, os remédios eram caros, alegava.. Com o tempo passou a chegar mais tarde e  cada vez  mais tarde,  mais  briga com a  cachorra, mais  mãos nas costas e mais  “Ai, Senhor”.  Acontece que quando dava seis horas da tarde ela ficava apavorada por não ter  concluído o   serviço, contudo,  não poderia jamais chegar atrasada para a missa das sete e meia, caso contrário, não seria abençoada para trabalhar no dia seguinte. Compreendemos dado à idade e  blá ... blá...blá... Diante de tanto apavoramento, alguém sempre a levava  de carro até a igreja que ficava próxima a sua casa, e é lógico, ela  com o dinheiro da passagem de volta pago e  dentro da bolsa... “Ai, Senhor”.

                   O tempo foi passando e a rotina da dona Santana também.  Foi ficando divertido. Não nos incomodávamos mais. No entanto, surpresa maior aconteceu quando ela pediu para trocar o dia da faxina para toda quarta –feira. Pedido aceito, de “comum acordo de ambas as duas partes entre as duas pessoas conforme o combinado”,  disse dona Santana. Começamos a perceber que novamente à mesa ela não nos acompanhava, no café da manhã  já havíamos compreendido, mas  durante o almoço?!!  Novas investigações...novas perguntas...  novas surpresas... “Ai, Senhor, eu faço jejum toda quarta-feira e eu não almoço por nada neste mundo do Senhor” , novas contestações familiares também: “olha sua saúde, isso não tá certo, sua idade merece uma boa alimentação “ e por aí vai ...  Sua resposta foi rápida: “Ai, Senhor... se eu fizer jejum o Senhor vai me abençoar pra trabalhar”... assim foi...  mais um reforço na rotina previamente instalada, até que um dia a coisa desandou, como disse a própria dona Santana. Nossa faxineira passou um dia inteiro  “sem pôr nada no estômago, nada desta vida, nem um taquinho assim” e a danada da pressão baixou fazendo-a cair feio perto da máquina de lavar roupa, ficando muito brava: “Ai, Senhor, ai minhas costas...” e mais delongas que o meu querido leitor já deve imaginar.

                Dali em diante a cena era até cômica, eu sem conseguir fazer nada e dona Santana com as mãos nas costas agora também sem conseguir fazer nada  e realmente com um problema  na coluna. Alguns dias se passaram e a situação ficou meio sem jeito, e, “Ai, Senhor”, aí perdi dona Santana.






CONVERSA NO HOSPITAL ( crônica)

                       
Conversa no hospital


                      Aconteceu que eu estava em um quarto de hospital acompanhando meu pai Eli em seu internamento, que devido à idade avançada ele não poderia ficar sem acompanhante. Calada, sentada numa cadeira no canto do quarto, ao lado de uma mesa branca fiquei,  nela havia uma jarra de vidro com água e próximo havia um copo também de vidro. Fiquei a observar meu pai e observar o paciente ao lado, também idoso, que dormiam tranquilamente. Em ambos, frascos de soro fisiológico aplicados no braço. Depois de muito tempo de silêncio, acordaram e  a conversa começou como se eu não estivesse ali, como se fizesse parte da composição dos móveis do ambiente, em sintese,  ignoraram minha presença. Fiquei olhando para os dois...

                       _ Bom dia.
                       _ Bom dia.
                       _ Meu nome é Eli e o do sinhô?
                       _ Raimundo.
                       _ Cheguei aqui antonte.
                       _ Tumém.
                       _ O sinhô é baiano?
                       _ Eu sô. E o sinhô?
                       _Tumém.
                       _ Mora onde?
                       _ Nessa cidade mesmo e o sinhô?
                       _ Faxinal.
                       _ Tá doente de quê?
                       _ Coração, pressão alta, diabete, colesterol alto, o dotô disse. E o sinhô?
                       _ Coração, pressão alta, diabete, colesterol alto, o dotô disse tumém.

                      Naquele  momento, a enfermeira chegou,  deu comprimidos e aplicou injeção nos dois. Dormiram novamente  durante uma hora, aproximadamente, e, ao acordar...
                       _ Bom dia.
                       _ Bom dia.
                       _ Meu nome é Eli e o do sinhô?
                       _ Raimundo.
                       _ Cheguei aqui antonte.
                       _ Tumém.

                      E a memória...



VIDA BREVE ( crônica)




                           Mais um pedaço de mim foi cortado. A dor é muito grande. O ar não existe para eu respirar. Morte em vida. Arrasta-me mesmo eu estando em pé. Sorrir ao mundo e gritar de desespero na alma.  Um sonho que durou pouquinho. Uma vida que viveu curtinha. Uma flor que murchou tão depressa. Era linda, brilhava para o mundo, flutuava nas estrelas, sorria, cantava, acreditava na beleza e no perfume. E  murchou. Quebraram suas hastes. Eu deixei. Ela sofreu e eu me quebrei.. Minha flor que nasceu , viveu  pouqunho tempo mas foi feliz. Se a grande felicidade do pequeno momento vai fazê-la superar   tempestade que se forma com nuvens cinzas e se restará algum pequenino broto para a nova fotografia, só o tempo dirá. Ela chora. Ela chora. Ela chora demais. Lágrimas no sol, lágrimas na chuva. O desespero toma conta , calado.. Dói e grita a dor do pedaço arrancado.

O ANJO BOM ( crônica)



O ANJO BOM (crônica )


O Anjo Bom
                                    Na viagem da vida eu seguia forte e leve com meus companheiros  e achava que os teria ao meu lado para  sempre. Acreditávamos nos mesmos sonhos, partilhávamos das mesmas histórias, ríamos juntos e chorávamos juntos.

                           Um dia, sem recado nem aviso ou placa, tive que descer bruscamente desse vagão de sonhos e realidades, tive que descer na estação e ficar ali sentada por longo tempo sozinha.  Olhei para o  horizonte e não havia  ninguém nem sol. Sobre minha cabeça,  as gotas do orvalho da noite que escorriam pelo beiral, pingavam em meus cabelos longos   sem vida, murchos de tristeza já  sem vaidade alguma. As gotas que escorriam pelo telhado escorriam pelo meu rosto, geladamente. Tudo parou. Não sabia mais andar nem falar. Meu corpo frio estava  apenas encolhido no banco de madeira. Como doeu aquele momento! Os companheiros estavam tão longe que não ouviam o meu grito de dor ou meu pedido de  ajuda. O trem não esperou. Ele se foi e foi cada vez mais longe, apressadamente sumindo por entre  a mata, as montanhas e as nuvens.

                              Assim,  procurei as flores de que tanto gostava ver  à beira do caminho e não as  vi, não havia nenhuma ali. O silêncio invadiu minha alma. Chorei. Chorei muito. Chorei tanto que pensava ser infinito aquele momento de morte. Parada, meditei e esperei pois as forças haviam ido embora na curva do caminho lá longe, no trem. A estação me prendeu, me amarrou com correntes fortes e invisíveis. Sofri.

                               Depois de muito estar ali, ouvi um  barulho ao meu lado. Olhei e nada vi. Novamente o barulho se repetiu e então delicadamente um Anjo sentou-se à minha esquerda . Aproximou-se mais. Docemente segurou a minha mão, soprou meu coração e beijou meus pés. Envolveu-me com todo o carinho de suas asas e colocou-me  em pé. Às vezes ele era branco, às vezes era negro, outras vezes azul, rosa e amarelo. Ficou calado. Nada disse. Ficou a me olhar por um bom tempo. Transbordava ternura... Caminhamos ali  por um tempo curto e longo, trouxe-me flores no pensamento, trocamos palavras mudas, sorrisos gostosos  e olhares puros. Então, eu já não mais andava, bailava no ar... Perguntas na mente me incomodavam. Queria eu saber de onde o Anjo viera. Por quê? Para quê?. Estivera ali para eu me  sentir forte para a nova viagem? Não sei.  Mistério. Só sei que  ele me ensinou a andar novamente de outro jeito e por outro caminho, sentindo o coração batendo nos dois lados do peito... Enxerguei um  caminho diferente, porém, bonito e com outras flores  que eu poderia vê-las e colhê-las. No entanto, ele se foi, partiu tão discretamente com o brilho da primeira estrela  do  anoitecer que mal pude ver seu vulto se levantando. Percebi isso porque senti um movimento suave ao meu lado e um leve bater de asas se afastando...sem barulho algum, baixinho, baixinho e depois para o alto se foi.. 

                         Por muito tempo pensei nos sinais silenciosos de sua chegada e de sua partida.Tempos depois aproximou-se um novo trem. Segui nele por outro caminho, o caminho que o Anjo mostrara para  eu viver e contar a minha outra história. Entendi naquele momento que havia chegado a minha  hora de voar. Tornei-me um Anjo também.

Ivete Luz

SEGUREM O AMOR !



Segurem o amor!

segurem, por favor, mais um pouco
aquele momento que não pode ir  embora
não deixem se despedaçar no ar
não deixem se despedaçar no tempo,
parem aquele instante.

não o deixem ir embora, por favor,
cada gesto vivido com paixão
cada palavra dita com amor
cada voar na imensidão.

segurem, por favor, mais um pouco
o sopro no ouvido,
o olho no olho,
o desejo suado,
o enrosco de pernas,
o sorriso de paz,
o calor doado.

prendam ali, por favor,
o carinho que foi dado,
o corpo todo que foi beijado,
a beleza que foi sentida,
a doçura vivida.